sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Eu, veneno...

Eu, veneno...

Colhi as flores infectas das buscas sem sentido e separei o doce pólen do egoísmo;
Escavei as batatas da arrogância e delas retirei a fina casca da falsidade;
Nos ventos do norte capturei a poeira fina e penetrante da indiferença;
Nas margens da nascente da loucura eu garimpei as pequenas jóias da desilusão;
Na cocheira dos vermes recolhi o estrume sanguinolento dos que já se foram antes de mim;



Da marcenaria dos planos diabólicos e perversos separei o pó-de-serra das madeiras mais podres que usei para erguer o tapume de minha inanição;
Nas sarjetas das ruas fui buscar as palavras vis vomitadas no calor das angustias;
Da latrina do ódio roubei as cortinas sépticas dos vícios para usar como filtro;
Do entulho de minha vida roubei a cabaça dos segredos sujos para servir de pote;
De minhas lembranças arranquei o caule da mentira para usar de pilão para maceração final;
Para usar como solvente, fui atrás das lagrimas que ao invés de me purificar travaram minha face numa mascara fria e sinistra.

Esperei a hora correta quando os segundos se arrastam na solidão deste quarto, quando os minutos se distorcem no pranto do medo, quando as horas se encontram todas em apenas uma. Neste putrefato momento, misturei todos os ingredientes até obter uma pasta fétida, pegajosa e borbulhante. Nesta gosma encontrei minha alma verdadeira e entendi a grande sacada do poeta Augusto dos Anjos: nada sou além de um arremedo de um projeto fracassado, quando me pus como pasto dos vermes na verdade estava acima do que sou. Quando compreendi a podridão da alma humana ainda não estava pronto para chegar a tal patamar, quando descobri que todos nós somos um nada insignificante ficou mais fácil observar minhas facetas nas bolhas do veneno que explodiam na superfície como pústulas da varíola, exalando o hálito dos cânceres que corroem as gargantas dos que se calam.

Brinco com a fumaça acida que se desprende e forma mortalhas de vapor à minha frente, arde-me os olhos e calcinada fica minha pele próxima ao pote fecal que agora remexo, cozinhando meus últimos momentos nessa trilha escura, nesta senda sem sentido. Ergo os olhos ao teto e percebo o quão tarde já é para tudo que planejei um dia e que não acionei, o bafo da mistura é meu hálito cariado, o verde borbulhante é meu sangue, as pústulas são minhas sementes.

Eu sou a flor de urtiga. Atrativamente perfumado e ironicamente venenoso, meus espinhos ferem e matam, minhas sementes eu as laço nas pedras, são difíceis de morrer (de esquecer). Pássaros e lagartos procuram abrigo sob minha sombra peçonhenta sem saber que espero a morte deles para nutrir-me de seus cadáveres. Sou um predador sem sentido, uma serpente sem piedade; uma pedra sem alma. Vago pela vida sem querer saber onde chegar, arrasto-me entre as almas em busca de prazer e poder; busco espelhos e holofotes para enganar-te e emaranhar tua bondade às minhas cobiças.

A poção pronta se agiganta, o fedor começa a se espalhar como uma granguena, o próprio pote já não suporta mais seu conteúdo e grita em prantos de arrebentação. Já meio cego pela minha própria peste e tremulo com a febre negra que me invade me aproximo deste espelho meu e preparo-me:

BEBE DESGRAÇADO! Que eu sorva essas fezes transmutadas que me restaram como alimento pois minha sede jamais será saciada! À minha espera estão os grilhões do inferno, me aguardam as almas que atormentei e que agora despedaçarão meu ser, dilacerarão meus sonhos e semearão meus pesadelos com as doces lembranças que fiz questão de macular! Para mim (ô eu que apenas sou escumalha vil), sobrará os vermes ávidos para roer meus ossos, para mim hão de separar várias eternidades para que eu saiba que meu futuro é a lama pestilenta de onde nunca deveria ter saído!

Que eu saborei minha ultima dor pois será meu ultimo sentimento humano antes de voltar ao ventre negro que me criou, que eu aproveite e senta! Já que sentimentos não fizeram parte de minha passagem. Que eu tenha coragem, pelo menos a mesma coragem que tive quando os que precisavam de mim foram deixados à beira do caminho. Que eu tenha coragem ô reflexo de canalha! Não a coragem dos heróis, mas a coragem dos covardes que abandonaram essa vida assim como eu agora me preparo para o mesmo fazer.

Assuma eu o meu posto como candidato a demônio, pois se alguma utilidade eu possa vir a ter, será a de ser o instrumento do mal para por a prova a fé dos diferentes de mim (os bons!) e castigar os que assim como eu carregam o veneno no sangue falso que pulsa pelos labirintos salgados e estéreis de minhas artérias. Rogo que toda esperança me seja negada, que toda misericórdia me seja retirada e que possa me amalgamar às trevas que me criaram. Pois assim será!

Marcelo Silva
25 de abril de 2011
...só podia ser uma segunda-feira...

3 comentários:

  1. Muito bom o blog, eu já tinha visitado antes.
    Eu não sei por que tá aparecendo como Nanda. Aqui é Tai. Beijos :*

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    1. Oi sobrinha linda!!!
      que bom que vc conhece as tortas linhas mal traçadas de titio!!!
      já leu todas as poesias? jura???

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  2. Oi sobrinha linda!!!
    que bom que vc conhece as tortas linhas mal traçadas de titio!!!
    já leu todas as poesias? jura???

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