quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Amor e Morte

Amor e Morte

Amor, palavra simples e tão decantada. Os poetas exaltam suas virtudes e sofrem sob seus desatinos, os religiosos bebem-na como maná sagrado, os estetas emolduram-na em suas criações, os filósofos pregam-na em seus discursos, e a maioria perfila-se ao seu redor sorvendo-o cada um de sua forma.

Amor entre irmãos, amor entre pais/mães e filhos, amor por causas, amor por paixão. São tantas formas, tantos sabores e tantos caminhos que uma existência inteira seria pouco para divagar sobre tal sentimento.

Quando duas pessoas são fisgadas pela paixão, o novo da descoberta acelera suas existências e o carinho e a atenção se multiplicam entre beijos e abraços, o sexo é um inevitável fim, não pelo principio em si, mas pela comunhão total e final de dois que unem-se em apenas um.

O tempo passa e as chamas da paixão vão se abrandando e um sentimento mais sutil, porém mais poderoso, toma seu lugar. Mas sem a cola da paixão o amor perde as vendas e os defeitos outrora negados agora se tornam patentes e recorrentes perante os olhos que um dia brilhavam à simples lembrança do ser amado.

O tempo nos leva a juventude, a virilidade e o afã de correr pelo simples prazer de acelerar. O tempo desdobra os lençóis de nossa vida, desnudando as falhas corpóreas e imateriais que a paixão nos escondeu. O tempo nos faz amadurecer e perceber mais os espinhos e menos as pétalas.

O tempo nos leva a vida, o tempo mata os corpos; o tempo mata o amor.

Ô tempo! Tu que és tão eterno, só tu saberias o quanto é verdadeira a frase “...que seja eterno enquanto dure...”. O tempo nos traz a vida e nos leva à morte. O amor nos faz viver e por ele morremos aos poucos de uma forma ou de outra.

Como tudo que morre, o amor deixa lembranças (boas ou más) que nos perseguem pela vida afora, ocultando-se nas sombras da memória, nos cheiros familiares aos nossos sentimentos. O amor morre, mas seu luto não pode ser quebrado nem mesmo quando um novo amor nasce. Mas alguns se agarram ás lembranças dos mortos como se isso os torna-se vivos ainda de alguma forma. Alguns cultivam o pedaço do amor que ficou (às vezes) apenas de um dos lados como se este pedaço fosse suficiente para que sozinho, se multiplicasse e alcançasse a outra parte.

A morte é inevitável, a aceitação é condicional, e a realidade é dura e sem volta.

O amor morre como tudo que nasce nesta vida: por causas naturais, morte matada ou morrida, insuficiência psicológica ou física, assassinado à traição, ou apenas por descuido ou ainda por falta de cuidado.

E passamos por esta vida, arrastando um rosário de amores infantis, juvenis, etéreos, distantes, maduros, infinitos, de verões, de vidas passadas e futuras. Passamos pela vida amando e sendo amados, passamos pela vida dando e recebendo essa dádiva divina, passamos pela vida sendo felizes e sofrendo por conta deste sentimento louco e sem sentido.

Quisera nunca mais precisar do amor, me imunizar deste sentimento e vagar pela vida como um holandês voador, um naufrágio ectoplásmico a singrar os mares do esquecimento. Quisera poder apagar todas as lembranças de todos os amores, e assim talvez fenecer em paz nas sombras da história. Quisera poder querer tudo isso e muito mais, para nunca mais precisar querer mais nada.

Há!!! O amor!!! Me fez perder vidas, trilhas e rumos, guiou meu juízo de passarinho por tantos caminhos tortuosos e depois abandonou-me a beira da estrada a pedir carona nas vidas estrangeiras e passageiras. O amor quebrou-me as pernas, vazou-me as vistas e depenou minhas asas que um dia pude ter. O amor tolheu-me os direitos, aprisionou-me nas masmorras do idílico e marcou-me a pele com as tatuagens da entrega que apenas eu proporcionei.

E por fim, após tanta escravidão, depois de tanto sofrimento eu matei o amor, sangrei-o até que observei o ultimo pulsar de sua existência. Matei-o e esquartejei-o em vários pedaços, e estes pedaços lancei-os nos vários lagos, mares e oceanos de lagrimas que o amor me fez inundar. Matei-o como se mata uma fera, como se abate uma praga; como se vinga um ente querido. Matei o amor e assumo a culpa e as penas de tal ato assassino e insano.

Eu matei o amor.

Marcelo Silva
Piracicaba, 27 de outubro de 2011
19:43, horário de verão
Inicio de uma noite quente e solitária

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Augusto dos Anjos

O frio adormece-me os pés, o silencio isola-me da vida alheia; as palavras na tela fria do notebook não me encantam mais como outrora. O vento gelado que se infiltra pelas minhas janelas não esfria a fornalha de meu peito nem congela-me os dedos ávidos de minha imaginação.

Olho para as rosas em meu jardim, banhadas momentaneamente pelos faróis dos carros que passam apressados. De algum lugar escuto risadas. Hoje no meu auto-exílio eu me resguardo dos sorrisos e descubro o quão quente foi minha vida antes do tudo, durante o nada; depois daquilo que poderia ter sido e não o foi.

Do nada, lembro-me de meu pai declamando Augusto dos Anjos:

“Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!”


É meu pai... Como sempre, tinhas razão!!!

Marcelo Silva
Sexta-feira, 14 de outubro de 2011
(re)descobrindo que a angustia e a solidão são boas companhias para os poetas

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Minha vida de volta (Ortinho com carne de sol)

Você não é diretora do filme da minha vida
Você rasgou meu script de cordel
Eu pulei da frigideira pro fogo
Só para sentir saudades do óleo fervendo

Quero minha vida de volta
Quero meu guidão outra vez
A vereda é meu caminho
Fui covarde deixando você me guiar


Quero me embriagar na praça
Meus amigos receber
Não quero mais crescer
Chega de toda essa desgraça

Vou subir o morro pra rasgar minha pipa
Não quero mais o cerol de ninguém
Vou incendiar minha roupa que me deram
Agora eu recomeço a vida de volta

As luas de barro vão explodir
E na boca do camelô vou me ver
Quero cerveja quente no meio da feira
Vou quebrar os dentes do relógio

Quero me embriagar na praça
Meus amigos receber
Não quero mais crescer
Chega de toda essa desgraça

Agora vou ser felicidade barata
Vou ser alegre com muito pouco
Meu coração vai desafogar
E nunca mais vou vender minha vida

Vou incendiar a fogueira na véspera
Vou mijar na algaroba da prefeitura
Quero furar o olho da solidão
Vou agarrar a vida que nunca tive

Quero me embriagar na praça
Meus amigos receber
Não quero mais crescer
Chega de toda essa desgraça