quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Dos pés à cabeça...

Meus pés, agora imperfeitos, batalham numa luta sem fim. Parte de mim quer fincar-se, parte de mim que voltar pra casa, e outra parte quer caminhar...

Minhas pernas, agora cansadas, dançam num ritmo sem ritmo. Parte de mim é fadiga, parte de mim quer entrelaçar-se em outras pernas, e outra parte é derrota...

Minhas coxas, agora flácidas, doem por quase nada. Parte de mim é lembrança, parte de mim é esperança, e outra parte é saudade...

Meu Pênis, agora adormecido, transformou-se num apêndice inútil. Parte de mim é luxuria, parte de mim é escravidão, e outra parte é aceitação...

Minha barriga, agora protuberante, ronca com a fome do que nunca tive. Parte de mim é necessidade, parte de mim é sobrevivência, e outra parte é merda...

Meu peito, agora vazio, acostumasse à lama que me espera. Parte de mim é Augusto dos Anjos, parte de mim é amor, e outra parte desilusão...

Minha garganta, agora seca, quer gritar coisas com e sem sentido. Parte de mim é fúria, parte de mim é choro, e outra parte é silencio...

Meus braços, agora fracos, procuram apoio onde nada mais existe. Parte de mim é trabalho, parte de mim é fuga, e outra parte é a falta de um corpo para abraçar...

Minhas mãos, agora entrevadas, buscam tocar o intangível. Parte de mim é arte, parte de mim é névoa, e outra parte é um imenso vazio infinito...

Minha boca, agora maldita, busca outra boca inexistente. Parte de mim é sede, parte de mim é grito, e outra parte é o doce amargo da cerveja e da fumaça...

Meus ouvidos, agora semi-desligados, anseiam uma voz amiga. Parte de mim é degredo, parte de mim é o som do nada, e outra parte é surda...

Minhas narinas, agora insensíveis, não se lembram mais do perfume das musas amadas. Parte de mim é retorno, parte de mim é busca, e outra parte é o fedor da realidade...

Meus olhos, agora enevoados, guardam nas retinas um tempo que não voltará nunca mais. Parte de mim é nostalgia, parte de mim são bundas desconhecidas, e outra parte é escuridão...

Meus cabelos, agora escassos, desenham-se ridiculamente. Parte de mim é o vento que já foi, parte de mim é a calmaria que mata, e outra parte é o sol de minha terra que não mais me queima...

Minha mente, agora perturbada, não sabe o que quer. Parte de mim é perda, parte de mim é saudade, parte de mim é sexo, parte de mim é ingratidão, parte de mim é medo, parte de mim é esquecimento, parte de mim é João e Pedro, parte de mim é meu pai, parte de mim é meu cachorro, parte de mim é um passado com mulheres, parte de mim é segregação, parte de mim é política, parte de mim é dor, parte de mim é carência, parte de mim é minha marcenaria, parte de mim é meu trabalho, parte de mim é ciúmes, parte de mim é dúvida, parte de mim é suicida, parte de mim é desconhecida.

Minha parte desconhecida, agora bem próxima de mim, agiganta-se em um fermentar absurdo. Parte de mim eu conheço, parte de mim eu desconheço, e outra parte anseia pela morte.

Marcelo Silva Piracicaba, 30 de outubro de 2012 Perdendo-se dos meus últimos pontos de equilíbrio