quarta-feira, 15 de maio de 2013

Na beira do rio...

Só você que não nota que está indo embora de mim?
Não creio que tenha feito tal desfeita para merecer essa sua partida aos poucos, tímida; sofrida. Você está indo embora de nossos sonhos.
Talvez essa seja a melhor forma para você mostrar a sua descoberta pela escolha mais lógica. Amores vem e vão, família é para sempre.
Não sei o que te dizer, o que fazer; o que falar...


Vejo você mais distantes a cada minuto. Sinto Suas palavras mornas como um ferro em brasa em meu coração, seus beijos cada vez mais curtos não concatenam mais nossas equações, você respondendo “Eu também” quando falo que te amo me mostram o inevitável.

Mas uma coisa você nem ninguém vai poder levar embora: Foi no seu olhar que encontrei a porta para resgatar toda uma vida, foi nos seus braços que resolvi ser sincero como nunca fui, foi no seu coração que aceitei todos os meus traumas e defeitos.
Essa dádiva maravilhosa que você me proporcionou nunca será esquecida. Essa sua existência em minha vida jamais poderá ser paga.

Espero que eu tenha feito algo de bom para você. Você é um doce de pessoa, uma princesa maltratada que ninguém, além de mim, conseguiu enxergar.
Eu te achei, e você me libertou de trinta anos de sofrimento.

E agora estou na margem desse rio da vida, a tarde nublada e fria agiganta essa sensação de vazio. Vejo as lembranças passarem seguindo a correnteza. Vejo os trechos das poesias que te escrevi descendo e rodopiando nos vórtices formados pelos turbilhões que nos assaltaram, feriram de morte e que nos separaram inexoravelmente.

Lá na outra margem eu vejo pedaços das cenas de nosso louco amor: Seus gemidos e nossos suores amalgamados num só sentimento, Tuas lágrimas a te tomarem na hora do gozo, nossa liturgia tão breve e tão intensa, a promessa de sermos mais que dois, teu sossegar no meu peito após cavalgar-me pelas pradarias de nossa cama.

Por sobre o espelho d água , flutuam visões de teu olhar, misturadas com os sentimentos de tudo que montei, que confeccionei, que improvisei, que limpei, que criei, que fiz e fui por você. As garças/amigas que assistem ao nosso ocaso piam e cantam palavras doces de animo e força, mas seus sons são sobrepostos pelo silencioso estrondo barulhento de minhas têmporas. Na minha garganta encontra-se travado um objeto pontiagudo, grave; pesado. Não consigo respirar e nem toda essa água do rio da vida poderia fazer descer isso pelas minhas entranhas.

O rio não para... Ele continua sua descida... Mas nas margens ficaram restos e sobras de nossas lembranças. Fecho meus olhos, baixo a cabeça; o cheiro de flores mortas me invade as narinas. Aperto meus olhos e sinto as primeiras de muitas lagrimas a rolarem o rosto.

“...Então eu olhei para o abismo, e o abismo me olhou de volta...”

Talvez a morte do corpo, da alma, dos amores e de tudo, seja apenas uma eterna volta ao princípio.

Obrigado Pinxesa Linda... Não interessa o tamanho da dor, não me importa o que perdi do que não tivemos, pouco valor tem essa escuridão onde agora me encontro. NADA DISSO tem tamanho quando me lembro do que tive nos teus braços, do que tive quando te tive em meus braços. Obrigado menina, hoje sou completo e em busca da cura. E se não fosse por você, eu viveria nessa mentira até o fim de meus dias.

Obrigado meu grande e terno amor...

Marcelo Silva
Piracicaba, sucursal do inferno astral.
Terça-feira, 14 de abril de 2013, 02:18 PM
Billie Holiday cantando My Funny Valentine não está ajudando em nada!!!

Ps.: Do nada veio em mente um belo filme: “As pontes de Madison”
Este filme poderia trazer uma análise sobre traição/adultério feminino. Poderia ser visto retratando uma vivência amorosa que é sublimada em função da família. Mas o que chama a atenção, e o que mais emociona é a sincronicidade que faz nascer este amor entre Robert (Clint Eastwood ) e Francesca (Meryl Streep)

Ela uma dona de casa que vive numa fazenda com seu marido e dois filhos adolescentes. Ele um fotógrafo que viaja pelo mundo em busca de fotos para a revista que trabalha.

As chamas de uma paixão nascem da admiração. O amor não se sustenta sem admiração mútua. Ele viu nela um mulher forte, linda, sensual, companheira, cúmplice, mas, frustrada pela escolha que ela fez na vida, uma mulher intensa, que adora o mundo (como ele também – tudo o que ele também é -).

Ela representava para ele, a simplicidade, o amor pelo amor, sem máscaras e com toda a sutileza da situação, do lugar que, segundo ele, cheirava tão bem. Ela tinha a mesma beleza como a que ele viu nas pontes cobertas. Pontes que muitas pessoas passavam sem se dar conta da beleza que havia nela. Ele era fotógrafo, e via o óbvio com outros olhos, sentia de forma diferente as pessoas, a paisagem e o mundo em si.

Ela vê nele essa pessoa que ela também quis ser, divorciado, livre e sem amarras. Solto pelo mundo, descobrindo novas paisagens e novas experiências.

Nossa alma quer que a gente viva sendo o que somos de verdade. Mas isto nem sempre é possível.( Na maioria das vezes não é) Representamos vários papéis na vida, até pela nossa sobrevivência e prá honrar as escolhas que fazemos (no caso dela o casamento - a família)

E sua história começa,quando ela (Francesca) estava sozinha...seus filhos e marido tinham viajado. Robert chega na sua casa perguntando como chegar numa ponte. Ponte é o que liga uma margem a outra, um rio é como nossa vida, vamos indo em frente levando conosco o que nos chega das margens, mas que um dia vai também desembocar no grande mar do cosmos. Ponte significa juntar o que está separado. União dos opostos. Na psicologia Junguiana Animus (polaridade masculina nas mulheres). Anima (polaridade feminina nos homens .) .Juntar as duas margens, passar nesta ponte é estar pronta para viver o amor....a paixão...a entrega.

Amar é conhecer o outro e conhecer a si mesmo(no outro). Ela fala com toda sua espontaneidade, pois dentro dela havia um universo próprio, com humor, emoção e delicadeza. E um brilho único, que ninguém da família dela conseguia enxergar, mas que ele (Robert) sente....e que o deixa fascinado.

Sincronidade são eventos sem relação em causa e efeito. Que se unem pelo significado que tem na vida de uma pessoa.(ou duas neste caso). Esta é sincronicidade de que Jung fala, e ela (esta sincronicidade de almas) existe pra ser compreendida, vivida, pois é mais do que mera coincidência.

Quando a sincronicidade acontece nossos arquétipos internos (que se encontram prontos se ativam ) e recebem uma energia particular de um fenômeno exterior que se complementa com o que se passa interiormente em nós, o resultado é = sincronicidade. Nada é provocado. Acontece.

Francesca estava na meia idade( metanóia), tinha sonhos que não tinha vivido ainda.(sentimento interno )
Ele divorciado, experiente, sentia a vida em todo o seu contexto – tinha integralizado sua polaridade feminina (anima) – por isto era sensível e estava pronto pra alguém que o quisesse assim. (evento externo –ela Francesca)

Ela precisava ser ouvida, ser percebida.(ela queria um homem sensível - arquétipo interno constelado)
Ele precisava ser amado.(evento externo)

A grande questão sobre a sincronicidade - pra que se perceba que está presente nos eventos que nos acontecem- é prestar atenção no significado. Um evento sincronístico não está ligado por causa e efeito (Ela não conhecia nem havia planejado encontrar Robert....e nem ele....). Mas os dois internamente precisavam deste encontro....deste amor... e foi a simultaneidade que se fez presente...) Se iriam ou não ficar juntos não importa....importa sim é que este ENCONTRO mude suas vidas....e que esta junção equilibre e melhore suas existências.

Foi por acaso que o marido viajou e que ela ficou sozinha, por acaso ele bateu na porta dela justamente naquele dia, por acaso ele era um homem sensível do jeito que ela já sonhara, por acaso ela era tudo o que ele queria e precisava encontrar numa mulher depois de tantas experiências, por acaso ele já havia estava já na metade da vida e ela também... Sim, tudo isto aconteceu, mas se eles internamente não estivessem “prontos”, não aconteceria nada.....(é nossa alma a grande manipuladora)

e nos momentos e dias seguintes acontece tudo...eles se amam...se entregam a esta paixão que explode inteira...


Ele quando escuta os sons pequenos e ininteligíveis que saíam da boca de Francesca quando ela arqueava o corpo na direção dele. Era uma linguagem que ele compreendia perfeitamente, e naquela mulher que estava debaixo dele, com o ventre contra o seu, a quem penetrava profundamente. Robert Kincaid terminava a sua longa busca .

Ele por fim descobria o significado de todas as pequenas pegadas em todas as praias desertas por onde alguma vez caminhara, e de todas as cargas secretas levadas por navios, que jamais haviam navegado, de todos os rostos velados que o viram passar por ruas sinuosas de crepusculares cidades. E, como um grande caçador de outros tempos que tivesse viajado em terras distantes e agora visse o brilho das fogueiras da sua pátria, a sua solidão desvaneceu-se. Finalmente. Finalmente. Vinha de tão longe...de tão longe. E jazia sobre ela, perfeitamente realizado e inalteravelmente completo no seu amor por ela.

Há escolhas que fazemos antes dele (deste amor) acontecer e somos responsáveis por elas.(Somos as escolhas que fazemos)

Foi este “encontro” na vida dela que significou, constelou nela o sentido do que ela viveu.
Era de certa maneira uma transgressão, ela não obedeceu as regras, mas é esta transgressão criativa que enriquece e enobrece seu cuidado para com a família e com a escolha que ela tinha feito.
Foi uma decisão de sacrifício, mas com a coragem de uma alma liberta.
Que não sentiu culpa.
Pelo contrário.
Deu um sentido.
Sentido que nasce de uma personalidade que se enriqueceu com uma experiência amorosa.

E é aí que se encontra o aspecto terapêutico da sincronicidade.
É a cura que ela pode gerar na nossa vida, como atos da criação no tempo, que são catalisados por catarses emocionais.

E como disse Robert para Francesca:
“-Os sonhos são bons por terem simplesmente existido, independente de terem sido realizados”

Vivemos sobrenadando num oceano de sincronicidades, das quais percebemos uma pequeníssima parte.
Tudo acontece, com diferentes probabilidades.
Mas quem determina estas sincronicidades?

É aí que se escondem os deuses.
E nossa alma sabe.
É ela quem as realiza dentro de nós.

“Quando alguém encontra algo de que verdadeiramente necessita, não é o acaso que tal proporciona, mas a própria pessoa; seu próprio desejo e sua própria necessidade o conduzem a isso.
(H. Hesse)

Análise psicológica do file feita por Maria Poesia, no site “Recanto das letras”
http://www.recantodasletras.com.br/resenhasdefilmes/1787163

Filme para baixar:
http://depositfiles.org/files/obfh4idq8





quinta-feira, 2 de maio de 2013

Sob meu critério (Parte 10) – Marcelo Silva

Acordei rápido, sobressaltado. Olhei para o relógio e já passava um pouco das seis da tarde. Comi alguma coisa e abri uma cerveja. O gelo da caixa térmica já havia derretido bastante, formando uma lagoa dentro da caixa. Peguei mais um saco e recolhi todas as cordas e laços de seda, trouxe os tubos de PVC e comecei a desmanchar os nós e separar as cordas, das algemas de seda, dos tubos, dos cadeados e das correntes. Fui embaixo do balcão e peguei o restante das cordas e juntei tudo dentro do saco preto. Também peguei o roupão e a calcinha e pus no mesmo saco. Sentia o tempo esfriar um pouco e pus uma blusa e uma calça de flanela, e por cima a calça social.

Do nada, escuto batidas no portão e de repente fui tomado por um pânico momentâneo. Atordoado pela surpresa eu caminhei na escuridão até a saída, andando por sobre restos e destroços abandonados no caminho, sem saber o que poderia estar me esperando. Poderia ser qualquer coisa: A policia, o marido dela, ambos e mais a imprensa! Mas não recuei e fui até a porta e escutei sua voz sussurrando: “Você está aí? Por favor, fala que sim. Abre essa porta...”. Sem pensar eu abri a porta e ela se atirou em meus braços, me fazendo perder o equilíbrio e cair ainda abraçado com ela, de costas no chão sujo e empoeirado. Eu tentava afastar sua boca da minha para ver seu rosto e acreditar que não estava sonhando, enquanto ela lutava desesperadamente para alcançar minha boca e me beijar. Ela colocou a face esquerda em meu peito e começou a chorar, repetindo sem parar que não queria ir embora. Eu percebi que não haveria mais sentido em nossas vidas, que nada faria mais nenhuma razão a não ser estarmos juntos e conectados, unidos e únicos; eternamente encaixados e entrelaçados um nos braços do outro.


Ela se ajeitou em meu colo, e enxugando as lagrimas apoiou os cotovelos em meu peito e o queixo nas mãos. Com sua cabeça pendendo para frente, seus cabelos anelados e negros pendiam pelas laterais, sua boca entreaberta exibia seus dentes brilhantes que alternavam entre o aparecer e o sumir por trás de seus maravilhosos lábios.

Tínhamos tanto a falar, tínhamos tanto a fazer; mas apenas nossos olhares interagiam, apenas nossas respirações denunciavam que estávamos vivos. Não mexíamos um único músculo como se tivéssemos medo de quebrar aquele encanto, aquele momento. Então sem que esperássemos, fomos despertados por sons vindo da rua e só então vimos a porta escancarada. Rindo, nos levantamos e fechamos a porta, abracei-a por trás segurando seu ombro direito com minha mão esquerda, e enfiando minha mão direita entre suas pernas. Subi pelas suas coxas até espalmar sua púbis. Ela jogou o pescoço para trás e com os olhos fechados colocou suas mãos para trás e segurou meu rosto por trás de sua cabeça. Ela passava os dedos em meu rosto, em meu pescoço e em minha nuca. Eu cheirava seu pescoço e mordia sua nuca, meus dedos já avançavam dentro de sua vulva úmida e escorregadia quando ela largou minha face e segurando meus pulsos, retirou minhas mãos de seu corpo e se virou de frente para mim. Novamente nossos olhares se encontraram e apenas nossa respiração existia ao redor de todo o universo.

Ao passar as mãos em meu rosto, percebi seu olhar assustado e surpreso, na semi-escuridão ela tentava identificar algo nas mãos e cada vez mais assustada tentava achar um fio de luz vindo do interior do galpão para iluminar sua mão. Segurei pelo pulso e mesmo sem enxergar direito senti o cheiro agridoce de sangue. Nos assustamos e sem falar uma palavra eu a peguei no colo e a levei às pressas para dentro, já na luz ela ficou estática enquanto eu examinava suas mãos e pedia para ela ficar calma. Com minha camisa eu limpava suas mãos, mas nenhum ferimento aparecia. De repente levantamos e cruzamos nossos olhares e sem falar uma palavra levei minha mão direita até minha nuca e senti meus cabelos encharcados em um liquido viscoso e quente que pulsava na base de meu crânio. Ao trazer de volta a mão para nossa frente, percebemos que o ferimento não era em suas mãos, e sim na minha nuca.

Ela me virou de costas e em um grito de terror exclamou: “Meu Deus!”, olhei para trás e no chão vi uma pequena poça de sangue, estava tão desconcertado, tão assustado que não percebi que havia me cortado quando caímos no chão. Era muito sangue, então corri até a mesa e peguei um rolo de papel higiênico e enrolei o máximo que pude em uma mão, e com o chumaço absorvente fiz pressão na nuca para estancar o sangramento, mas isso fez com que uma dor lacerante percorresse de minha nuca em direção a todas as extremidades de meu corpo. Algo estranho estava acontecendo, algo estranho estava cravado dentro de minha carne.

Ela ficava me rodeando e fazendo um milhão de perguntas e se desculpando. Ela chorava, reclamava consigo mesmo e eu em silencio tentava através da pressão identificar o objeto que estava cravado lá dentro. Mesmo sem conseguir imprimir a pressão desejada para tentar estancar o sangramento, consegui diminuir o fluxo , mas me sentia fraco. Devia ter perdido uma boa quantidade de sangue e precisava urgentemente me hidratar. Pedi para que ela trouxesse água e bebi vários goles de varias garrafas. Peguei a cadeira e sentei próximo a mesa. Apoiando o cotovelo esquerdo no tampo da mesa e escorando a cabeça na mão esquerda, usei os dedos da mão esquerda para tentar abrir os cabelos emplastrados de sangue e tentar descobrir o tamanho do corte. Ao separar os cabelos, o corte se abriu mais uma vez e o sangue voltou a pulsar jorrando pela minha nuca e pelo pescoço, ela deu outro grito e começou a chorar. Pedi mais papel higiênico e enquanto ela enrolava na mão eu pude passar o indicador direito sobre o corte. Era grande, cerca de cinco centímetros, e bem profundo. A ponta do dedo raspava em algo lá dentro que me provocada grandes dores. Eu poderia dar um jeito no sangramento, mas tinha que retirar o que quer que estivesse dentro de mim.

Esvaziei uma “necessery” em cima da mesa e peguei uma pinça, mas não conseguia segurar a coisa que escapava enquanto mais e mais sangue descia pelas minhas costas. Pedi ajuda a ela e vi que ela estava estática, com as duas mãos tapando a boca e os olhos arregalados. Ela se aproximou da mesa, respirou fundo e pegou a pinça. Habilmente ela conseguiu sentir algo no meio dos cabelos, carne e sangue, e segurando delicadamente minha cabeça, tentava retirar. Mas a cada puxada a dor era tão grande que meus gemidos alcançavam volumes cada vez mais altos. Ela foi ficando desesperada e o tempo ia ficando escasso. Falei baixinho que ela teria que retirar aquilo. Que seria agora ou nunca. Peguei o que restou do papel higiênico e pus na boca, mordendo fortemente, respirei fundo e ela enfiou a pinça profundamente em minha nuca e prendeu o corpo estranho e tentou duas vezes puxar vigorosamente, mas sem obter sucesso. Ela então falou: “Amor, vai ser agora!” e puxou fortemente, fazendo-me ir nas estrelas e voltar , varando o chão do planeta e indo parar no inferno. Minha cabeça girava, meus olhos viam estrelas, eu estava prestes a desmaiar. Ela me mostrou o objeto, um caco de vidro verde, provavelmente de uma garrafa quebrada, todo coberto de sangue, com as bordas extremamente afiadas. Rapidamente fiz outro chumaço grande com papel higiênico e desta vez consegui fazer uma grande pressão na nuca, e pedi para que ela continuasse segurando e forçando a compressa improvisada até que eu me sentisse melhor. Falei que não se assustasse e deitei minha cabeça sobre o antebraço esquerdo e esperei para ver o que me aguardava.

Sem o objeto me cortando mais ainda internamente, e com a pressão em cima do corte, aos poucos o sangramento foi diminuindo, porem nunca estancado completamente. Depois de muito tempo eu coloquei a mão sobre a sua e retira a dela. No meio dos objetos da mesa peguei uma cola “super bonder” e abri e falei para ela despejar o conteúdo dentro e sobre o corte, e depois fazer pressão com o papel. Ela arregalou os olhos mais ainda e perguntou se eu estava louco. Eu tranqüilizei-a e falei que estava tudo bem, que sabia o que estava fazendo. Ela me perguntou se tinha certeza e eu falei que sim, e que fosse rápida e na deixasse cair na mão dela. Ela respirou fundo, perguntou mais uma vez se eu sabia o que tava fazendo e respondi com um resmungo irritado e impaciente.

Ela apertou a bisnaga de uma vez, despejando a cola que ao tocar minha pele começou a reação química e queimava como fogo. Ela então pressionou o papel e segurou. Eu podia sentir a massa de cabelos, carne, papel e sangue se solidificando e cristalizando-se em uma única placa rígida em minha nuca.

Após alguns minutos, pedi para que retirasse o papel sem medo, mesmo que rasgasse, o que ficasse lá estaria fechando o corte. Ela retirou e exclamou: “Deu certo! Parou de sangrar!”. Tentei me levantar mas sentia-me fraco, apoiado nela fui até os baldes , lá retirei minha roupa e me agachei e pedir para que ela pegasse o xampu e o sabonete liquido na mesa. Ela veio e começou a jogar água em minha cabeça e com toda a delicadeza que foi possível, lavou o que não estava colado e que dava para lavar. A água fria escorrendo pelas minhas costas ia me trazendo de volta a um estado mais alerta, ela lavou minhas costas e pedia para me levantar para lavar minhas nádegas e minhas pernas. Terminando foi até a mesa e trouxe uma toalha e me enxugou, porem notou que o sangramento não havia parado totalmente. Ainda escorria pequenos fios de sangue segundo ela. Falei que deveríamos retirar a cola que estava lá cuidadosamente e que ela teria que cortar o Maximo possível de cabelos ao redor, para que pudéssemos repetir o processo da cola novamente, desta vez sem os cabelos para atrapalhar.

Voltamos a mesa e ela começou a tosa ao redor da cola, quando não tinha mais cabelos fora do limite da placa de cola, levei minha mão direita até a nuca e com a ponta do dedo comecei a puxar o tampão. Devido ao sangue misturado com os cabelos, ela se soltou facilmente, porem o sangramento aos poucos foi voltando, e falei para ela ser rápida no corte dos cabelos. Ela fez o mais depressa possível e com a toalha molhada limpou tudo ao redor e perguntou se não tinha nada para desinfetar. Estiquei o braço esquerdo e peguei um vidro de perfume e arranquei o bico dosador e pedi para que ela derramasse e esfregasse bem o perfume para desinfetar. Ela se assustou e falou que iria doer muito, eu brinquei e falei: “sua vez de descontar bebê!” ela abriu um sorriso e despejou metade do vidro, me fazendo socar a mesa com os dois punhos fechados, varias vezes; seguidamente. Depois ainda esfregou vigorosamente o corte com mais perfume, fazendo-me desejar estar morto e não sentir aquele tormento.

Peguei um pedaço do papel higiênico e dobrei varia vezes até ficar do tamanho de uma atadura que cobrisse o corte. Depois, abri outro tubo de cola e entreguei a ela, que segurou com a direita e com a esquerda passou mais uma vez a toalha, retirando o Maximo de sangue possível. Depois despejou a cola novamente e colocou a atadura de papel sobre o corte com a cola, depois pegou outro chumaço de papel e fez pressão e esperou a cola secar. Desta vez ficou mais vedado e o sangramento foi parando, sendo substituído por um liquido incolor que ainda conseguia escorrer por entre a pele e a cola.

Ela foi ate o balde e trouxe um pouco de água, e com a toalha limpou minhas costas. Debaixo da mesa, eu peguei minha bolsa e procurei uma muda de roupa. Só consegui achar uma camiseta sem manga e uma bermuda, vesti assim mesmo e ela foi até o colchão e pediu para que eu deitasse um pouco. Olhei para o relógio e passava um pouco das dez da noite, me deitei de bruços com a cabeça latejando e sentindo frio. Ela foi até a mesa e trouxe uma coberta e me cobriu e deitou do meu lado, acariciando minha nuca próximo ao corte. Fui relaxando e quando estava prestes a adormecer, balbuciei: “Você tem que ir embora!”, e ela respondeu: “Você tem que descansar.”, e beijou minha face, minha testa e se aninhou junto ao meu corpo, e adormecemos juntos novamente.

Acordei com gritos e tapas em meu rosto, eu sabia que estava de olhos abertos, mas não conseguia enxergar nada. Os sons vinham entrecortados, picotando como um celular com falha de sinal, eu tentava me mexer, mas parecia que estava preso, como um inseto numa teia de uma aranha. Quando consegui enxergar algo, a vi batendo no meu rosto e em prantos me sacudia e pedia para eu acordar. Eu acordei e ela me abraçou e tentou me levantar, falando que eu tinha que ir para um hospital. Tentei levantar e o lençol veio junto, colado no meu rosto e no meu ombro. Tentei puxar o lenço e ela me impediu e mostrou que eu havia sangrado a noite inteira e que o lençol estava grudado em meus cabelos, rosto , pescoço, nuca e ombros.com muita dificuldade pedi para que ela retirasse o lençol e ela o fez com um cuidado impar e uma delicadeza absurda. Limpou o sangue seco destacando as placas com a ponta da unha do seu indicador direito, e quando eu estava mais liberto do sangue, passei a mão na nuca e vi que o ferimento havia sido aberto durante o sono e que perdi muito sangue, que se espalhou pela cama, sujando inclusive ela e sua roupa.

Pedi mais água e algo para comer, ela trouxe isotônico , cockies e frutas, pedi para que trouxesse uma garrafa âmbar dentro da caixa térmica e ela trouxe, era mel que esvaziei da garrafa e sorvi sofregamente. Ela começou a insistir que eu deveria ir a um hospital, que eu tinha que procurar ajuda. Que se algo acontecesse a mim, ela se sentiria culpada e que iria tirar o carro para me levar ao hospital. Me ajeitei no colchão e falei: “Ótimo! Legal você chegar no hospital e ser reconhecida como a seqüestrada e ao meu lado, o seu seqüestrador! Alguma outra idéia genial?”. Falei isso e pelo seu olhar notei que havia sido rude e estúpido, mas não pedi desculpas, senti que havia pouco tempo para tentar resolver toda aquela complicação.

Olhei para o relógio que marcava oito e trinta da manhã e pedi que ela tirasse seu vestido e ela com uma cara de descrédito perguntou-me: “Como é ?!?!?”. Apenas repeti a ordem e ela obedeceu. Abri um dos baldes e mergulhei sua roupa dentro. Esfreguei o Maximo que pude, mas a mancha de sangue, agora já marrom, apenas diminuía de intensidade sem contudo querer ir embora de uma vez. Fui até a área externa na parte de trás do galpão e pendurei a peça de roupa no sol, sempre com ela me seguindo a cada passo como se fosse minha sombra.

Peguei meu casaco e deixei em cima do balcão, olhei para o relógio e já meio zonzo pedi para que ela me deixasse dormir por mais uma hora, que seria suficiente para o organismo se recuperar um pouco e metabolizar o que eu havia ingerido. Falando isso, não esperei sua confirmação e deite-me novamente de bruços, ela veio até mim e sentou-se ao lado de minha cabeça e gentilmente guiou minha face até suas coxas, e me aninhando em suas pernas falou: “durma bebê...”, o que aconteceu logo em seguida.

Após uma hora exata, ela me acordou. Me sentia melhor, porem muito fraco ainda. Levantei-me e fui verificar sua roupa que já secara bastante. Pedi que a vestisse e coloquei o casaco por cima de minha roupa ainda manchada de sangue. Fui ate o carro e pelo reflexo do vidro notei que dava para esconder o sangue. Voltei para ela e em voz alta pensei: “E agora? Esse sangue em sua roupa? Onde e como vamos encaixar isso na sua estória?” ela respondeu como seu eu tivesse realmente perguntado a ela: “Falarei que não sei o que aconteceu, simples. Agora vamos ao hospital!”

Eu dei um sorriso e falei: “Vamos é muita gente! Você vai para sua casa conforme planejamos, e eu vou para o hospital.”, falei isso e a peguei pelo braço e fomos em direção a saída. Pedi para que ela saísse primeiro mas ela não aceitou e falou que iríamos sair juntos. Tentei explicar-lhe os padrões de procedimentos mais seguros mas ela foi irredutível. Então fechei o galpão e discretamente saímos de lá. Andamos duas quadras e viramos a esquerda entrando no pátio de um posto de combustível. Apertei a mão dela e olhei em direção a um ponto de taxe ao longe. Do ponto onde estávamos, éramos praticamente invisíveis para o resto das pessoas. Falei que ela sabia o que tinha que fazer, pisquei o olho para ela e fui em direção ao taxi sem olhar para trás. Quando entrei no taxi virei na sua direção mais ela não estava mais lá. Pedi ao motorista que me levasse ao hospital e saímos em disparada, comigo inventando uma estória para tentar explicar o acidente.

Após alguns minutos de transito infernal chegamos ao hospital e na recepção expliquei que havia escorregado e cortado a nuca. O clinico examinou e exclamou: “mais um com super bonder... meu deus, se isso virar moda vai ser um problema...”

Fui levado para o ambulatório e lá anestesiaram o local e retiraram a cola. Deram alguns pontos e fizeram um curativo e após algumas horas sob observação perguntaram se deveriam chamar alguém, algum parente ou amigo. Perguntei se não estava apto a tomar um taxi e me liberaram em seguida. De taxi fui até minha casa e ao entrar parecia que faziam anos que havia saído de lá para encontrar o amor de minha vida.

No jardim se acumulavam panfletos e propagandas, na caixa de correspondência haviam vários envelopes. Abri a porta de frente e um cheiro de mofo me tomou de frente, envolvendo-me de forma desconfortável. Entrei e abri as portas e janelas deixando o ar viciado escapar e ser substituído pela brisa fresca do final da manhã. Liguei a TV em um canal qualquer e me deitei no sofá, tentando achar uma posição que a nuca não ficasse sendo tocada ou comprimida. O efeito da anestesia começa a passar e o local começou a latejar e a dor foi me cansando e extenuando, até que me levantei e tomei dois tylenois na tentativa de melhorar a dor um pouco.

De repente, a campainha toca e me viro para a rua, e pela janela da frente avistei a ultima pessoa que espera ver na porta de minha casa. Ela estava lá ainda com a roupa manchada, cabelos desarrumados com sua bolsa pendurada em um dos ombros. Abri a porta sem acreditar e fui até o porão que abri e perguntei o que ela estava fazendo ali. Ela respondeu que foi direto do posto para o hospital e que ficou na frente esperando eu sair e me seguiu até ali. Perguntou-me se não ia me convidar para entrar e sem reação e momentaneamente abandonado pelo espírito, sai de sua frente e ela entrou na minha casa, como se sempre morasse ali.

(Continua)