domingo, 13 de setembro de 2015

LAÇOS

Laços

Laços são uma coisa fascinante!

Desenvolvemos eles a partir de nós mesmo, somos envolvidos neles através de outras criaturas, e as vezes vemos esses mesmos laços se dissolverem como fumaça no ar.

A muito tempo atrás (Praticamente uma vida), me desfiz de todos os meus laços e me lancei pra fora de meu torrão. Eu havia saído de um casamento que de tão perfeito se desfez como uma bela rosa que fenece, se despetala e morre.. Atravessei o país e vim cair nessas terras frias (mais os corações que o clima) e aqui tentei refazer o que hoje sei que é impossível: tentei refazer uma vida.

Vidas não se refazem, saibam disso! Eu aprendi de diversas formas doloridas, quentes, aconchegantes e inesquecíveis. Mas na época eu ainda acreditava em muita coisa que hoje habita a lixeira de meu intimo.


Lembro-me que quando aqui cheguei eu iniciei uma nova família de duas pessoas, mas já sabia que minha companhia carregava consigo mais três que por sua vez moravam com o pai. Lembro bem de cada encontro, de cada momento; de cada registro que levarei comigo até onde eu for.

Como esquecer do encontro com o Guilherme, filho do meio da Márcia que chegou de surpresa e me pegou em uma situação constrangedora onde eu estava de sungas e de capacete e com meus equipamentos de alpinismo dançando ao som de Vilage People e requebrando para fazer graça para a Márcia e quando olhei para o lado estava lá o filho dela me encarando como se estivesse vendo um alienígena. Isso sem contar que dias antes ele entra no trabalho da mãe justamente no momento que eu estava com ela no colo. Não foi algo que eu diria “ô que maravilhosas primeiras impressões!!!”, mas até hoje é algo que me aquece o peito pelos milhões de risadas que demos todos juntos durante anos ao lembrar disso.

Como olvidar a Maíra com seu gênio terrível , copia fiel de sua mãe? Mas não é apenas nisso que a semelhança é intrínseca, ela hoje é uma mulher linda, honesta, batalhadora e integra. Igual a mãe.

E o Vitor? Que parecia um duende de tão calado, recluso e de um temperamento absurdamente profundo. Um “fedelho” que certa vez em visita a nossa casa, deu uma lição de moral e bom relacionamento para dois adultos que estavam se pegando em mais uma “D.R.”

Eu até hoje nunca consegui entender as relações entre pais e filhos nessa terra maluca. Eu assistia ao desenrolar das situações a uma distancia segura, mas sempre presente. Fiz questão de fazer amizade não só com as crianças, mas também com o pai deles que aprendi a gostar e respeitar apesar de nossas diferenças tão gritantes.

Eu me esforçava para me incluir entre aquelas pessoas, uma vez que família não foi um legado que o universo me deu na vida. Mesmo não sendo “convidado” eu insisti em fazer parte daquilo, mesmo que não fossem minha família eu sentia que deveria estar ali caso precisassem de algo que eu no meio de minha total falta de recursos materiais pudesse dar. Que fosse um sorriso, que fosse um abraço, que fosse qualquer coisa!!!! Eu necessitava fazer parte de tudo aquilo!
E de longe acompanhei parte da maravilhosa aventura chamada vida. Me emocionei, briguei, amei e de alguma forma me sentia aceito e inserido em uma coisa chamada família, algo que a muito eu Havia perdido .

Foram tantas as histórias, “causos”, e peripécias que hoje quando olho para trás não parece caber tudo aquilo em pouco mais de dez anos.

Mas então... O encanto acabou, o amor entre mim e a Marcia feneceu. Felizmente antes de morrer se transformou em algo quente e aconchegante chamado amizade. E mesmo nessa nova forma eu pude acompanhar , desta vez mais de longe ainda, os fatos dessas pessoas.

Para mim é impossível dissociar de minha vida esses três adultos de hoje. Eu não consigo compreender como alguém se dispõe a amar alguém e não amar justamente a parte mais importante dessa pessoa: suas crias. Esse tipo de pessoa prolifera aqui nessa terra. Pessoas criadas e movidas pelo individualismo, pela indiferença; pela frieza que emana dos corações da grande e esmagadora maioria das pessoas daqui.

Quando a Maíra foi para Londres, parte de mim também partiu junto, e quando ela retornou de lá eu respirei aliviado. Apesar de nunca ter sido nada dela, eu a teria de volta perto da mãe. Depois quando ela se mudou para a capital parecia que faltava um pedaço de alguma coisa nessa cidade.

Depois foi o Guilherme que foi para capital e agora está lá bem longe, morando em San Diego, Califórnia. Foi difícil sentir ele longe, pois dos três era com ele que havia uma sinergia maior. Éramos cúmplices em vários assuntos e “pequenos delitos” de adolescentes. Lembro-me de sua formatura onde terminou em uma confusão entre alunos e eu saltei do carro do pai dele que ainda estava em movimento e corri para lá para proteger aquele menino (Que se mostrava indolente, escrachado, mas dono de um bom coração) que eu um dia quisera ter sido, ou pior: quisera ter tido como filho.

Então o Vitor cresceu e abrindo as asas partiu uma vez para além-mar, e lá no meu intimo eu me reprovava e me sentia canalha por torcer tanto para que não desse certo e que ele voltasse para a casa do pai dele. De todos nessa família que inadvertidamente em invadi, o Vitor é o ser mais centrado, mais receptivo e de alguma forma alheio às loucuras de todos nós, mas sempre presente e com algo belo para falar.

Hoje é domingo, hoje o Vitor se despede dessa cidade em direção a tantos e tantos quilômetros daqui. Engraçado: foi num domingo chuvoso que o conheci. Como era pequeno e frágil! Dava a impressão que um sopro seria capaz de derrubar aquele gafanhoto pálido de cabelo cor de ouro. E nesse dia de com o céu tão parecido, sinto que mais uma parte de mim se vai, como foi com meus filhos, com meu pai, com meu cão, com a Marcia, com minha família e com tudo que existe nesse “plano” de chegar e ir embora, de nascer e morrer, de amar e partir.

Nessa tarde fria e cinzenta, eu percebi que jamais pude realmente dar algum conselho a algum deles. Talvez porque não tivesse tamanho para isso ou simplesmente por que não me cabe querer “adotar” filhos de pais vivos.

Mas hoje eu diria para o Vitor e para a Maira e o Guilherme:

VOEM!!!!
Abram suas asas o máximo que conseguirem!!! Libertem-se das amarras do físico e material, apeguem-se aos sentimentos e jamais, JAMAIS desistam das coisas que almejam.

ARRISQUEM-SE!!!
Não pretendo que tolham suas escolhas baseados nas escolhas alheias e próximas que deram errado. O que deu errado para mim pode ser o vital para vocês.

AMEM!!!!
E sempre que o fizeram façam com lealdade, com fidelidade e com sinceridade. Não tenham medo caso algo saia dos trilhos.
Se eu posso dar uma parcela de minha vida como comparação: Ssaibam que não é por que o amor entre mim e a Marcia acabou que não foi bom. Não é por que nos separamos que não foi para sempre... FOI SIM!!!
Então meus caros, sempre amem para sempre!!!

DOEM-SE!!
Doar-se é gratificante meus jovens. Nem que seja uma refeição para um faminto, uma atenção para uma criança pobre, uma ajuda para alguém desconhecido na rua. Esqueçam um pouco de vocês e pensem nos outros. Isso talvez não traga nada de material em troca, mas vai ser uma brasinha a mais para aquecer vossos corações nas noites frias de dor e solidão.

OLHEM PARA TRÁS!!!
SIM!!! Muito falam para seguirmos em frente sem olhar para trás. Essas pessoas estão erradas. Vocês tem MUITO o que olhar para trás, vocês tem uma historia maravilhosa e uma mãe e um pai que apesar de todos os pesarem são honesto, íntegros, trabalhadores e corretos.
E principalmente: uma mãe e um pai que QUE AMAM VOCÊS INCONDICIONALMENTE.
A verdade é que na maioria das vezes nós precisamos perder para poder conseguir valorizar. Sosseguem o coração, a vida ainda vais lhes proporcionar muitas etapas onde vocês realmente precisarão ser fortes pois existirão dias que vocês irão querer desistir.

E por ultimo, um ultimo pedido: Gostaria MUITO de agradecer a oportunidade que vocês me deram de sentir-se parte de uma família. Mesmo não sendo NADA de vocês eu recolhia vossos sorrisos e abraços e guardava com muito amor e carinho dentro de mim. Mesmo sabendo de nossa distancia eu lá no fundo e em silencio mentia para mim mesmo e pensava ”são minha família”.

Eu gostaria de poder falar diferente, mas a tristeza de não termos mais laços só não é maior porque eu tive o privilégio e a honra de ser “suportado” por vocês, com todas minhas loucuras, comidas esquisitas, musicas estranhas, sotaque estrangeiro e tantas coisas que fazem parte desse pacote que vos escreve.

De uma forma meio estranha, vocês me deram a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento de vocês, coisa que me foi negada com meus próprios filhos, e isso não tem preço!!!

Agora vão... chega de lágrimas (minhas)...

Vão ser felizes, vão buscar seus sonhos e construir novas etapas nesse planetinha.
Eu só gostaria de dizer que EU AMO VOCÊS indistintamente, e saibam que não importam se acaso algum dia errem em algum escolha, isso não interessa a quem ama pois amarei vocês três para sempre.

Marcelo Silva
Piracicaba-SP
13 de setembro de 2015
Tarde cinzenta, nublada e fria...
Em uma cidade que perdeu um pouco do encanto com a partida de todos vocês...

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

A tua visita


"A tua visita"


Ontem a noite viestes me ver mais uma vez.

E como sempre te ocultavas longe de minha visão, mas eu sentia teu hálito frio e o cheiro das coisas passadas que carregas através dos tempos. Por que te ocultas tanto de mim que te amo tanto? Por qual razão não me é permitido te olhar? Temes que eu sinta repulsa? Logo tu? Justo você que todos temem?
Que será que me trazias desta vez? Presságios de qual partida? Avisos de quais quedas? Premonições de minhas ou alheias?

Fazia tempo que não me visitavas, mas não cheguei a sentir saudades. Apenas uma falta, um sabor daquilo que nunca tive mas que sempre temi perder.

Tu deves já ter se apercebido que meu coração hoje acolhe outro sentimento. Mesmo sendo tu dona de tudo que se imagina, inclusive de mim.


Mais infeliz serei eu que te espero? E que teu beijo final suplico em silencio? Ou mais infelizes são os outros que se negam a aceitar tua chegada tão igual a todos o seres viventes e inanimados?
Talvez eu seja apenas um covarde que sem forças para assistir o ocaso alheio, rogo para voltar ao pó e assim talvez em forma atômica retornar ao útero estelar que me gerou.

Meu amor, perdoa-me por te trair!

Mas tenho meus motivos para não mais contigo conversar. Acredite em mim quando te digo que apesar de te escrever tão pouco, meus sentimentos por ti jamais se extinguirão.

Te permito sua intromissão em minha vida, pois minha vida caminha em teu sentido, e é você que define o fim de tudo isso.

Eu te amo Morte!

Sinto sua falta desde que aqui me abandonastes, nesse planeta tão cheio de pessoas que te evitam, não sei se nosso reencontro se dará como em nossos sonhos, mas te espero pacientemente enquanto em desespero te vejo levar todos que amo,e tudo que me cerca.

Vem, senta-te à mesa para juntos comungarmos nossos íntimos segredos. Adentra essa casa chamada corpo e beija-me com teus lábios gélidos que um dia irão retirar o ultimo dos véus que nublam a minha visão real e universal.
Leva-me de uma vez e assim me poupa de ser expectador de teu trabalho junto ao que aprendi a amar.

Marcelo Silva
02 de setembro de 2015
Tarde sonolenta de uma saudosa realidade alternativa

terça-feira, 17 de março de 2015

ZIG - Saudades, lembranças e orgulho de ter sido seu e ele meu

Em algum lugar, existe uma pequena colina cercada por um imenso gramado, onde o sol nunca se põe. No alto desta colina existe um pé-de-carambola frondoso cuja sobra refresca a terra.

Neste lugar agora existe um cão maravilhoso, cuja pelagem vermelha tem o tom do por-do-sol antes de uma lua cheia.

Neste lugar não existem dores, idade, frio ou medo.

Neste lugar, esse cão brilha no auge de sua forma, sua pelagem sem defeitos brilha, e suas orelhas apontadas para alto e para frente evidenciam seu olhar sempre alerta de “xerife-da-rua”. Ele corre pela grama alta, se esfregando nos galhos dos arbustos no sopé da colina e deitando-se na relva com a língua para fora, rola e deixa as patas para cima para melhor curtir o sol.

Nesse lugar existem outras almas esquecidas, saudosas, rememoradas e presentes. Nesse lugar meu cão late do alto da colina, com seu latido original sem a rouquidão do tumor na garganta. Ainda latindo ele se ergue altivo sem o tremor nas patas causado pela artrite e reumatismo. Ele varre o redor com seu olhar vigilante, sem as lágrima indefesas causadas pela perda da visão para a catarata. Ele correr ao redor num galope forte e dominador, sem a dor e o desanimo do Lúpus. E a cada latido bravio e altaneiro, seu corpo vibrar expondo as nuances vermelhas de sua pelagem, sem as falhas no magnífico pelo vermelho.

Ele late mostrando o seu domínio sobre esse lugar. E aos seus pés sua bolinha vermelha tão amada, querida e preciosa.

Eu sei que talvez seja o melhor lugar para ele ficar, mas cada vez que fico sozinho e me vem a lembrança dele doente e frágil, sendo cuidado por mim todos os dias, um monstro de dor e desespero brota do meu peito e rasga minha garganta num lamento doloroso e então eu choro de saudade de meu amigo, do meu amigo e companheiro.

Queria poder chorar abertamente, sem precisar estar sozinho ou dentro do banheiro com o chuveiro ligado. Queria não ter tantas couraças e ter a obrigação de ser sempre forte. Queria chorar ao mundo, mas como sempre, terei que ser forte quando estiver na frente das pessoas. Nossa vida sempre foi os dois juntos, seja passeando, seja indo no boteco ou na padaria, seja na marcenaria ou apenas aos meus pés no escritório por horas seguidas. Estando ali apenas para estar perto de mim. Não! Vou guardar meu pranto para quando estiver apenas eu e a memória dele.

Eu ainda sinto seu cheiro gostoso, seu olhar caridoso e frágil ao final da vida, seu resmungar pelas dores e seu passo a mancar, se arrastando pela casa. Mesmo sabendo que tudo isso ficou para trás, nada me consola, Nada preenche esse vazio no meu peito.

Esse lugar onde agora ele habita na verdade são dois.

Um é a sombra do pé-de-carambola na minha marcenaria, onde desde sempre ele gostava de se deitar e de longe observar a frente da casa. Antes da marcenaria existir, ao lado da churrasqueira, era onde ele descansava. Mesmo antes quando a churrasqueira ainda era um canil, era lá onde ele gostava de ficar. Foi lá que cavei sua cova e depositei o corpo sem vida de meu grande amigo, junto com seu ultimo brinquedo: uma bolinha vermelha que graças a sua cor o fez a enxergar através da catarata e ainda fez com que meu velhinho, meu ancião, brincasse com ela numa clara demonstração de sua vontade de viver. Foi lá que envolto nos lençóis que o aqueceram em seus últimos momentos eu o coloquei na exata posição que ele costumava descansar. Nesse lugar eu fiz uma lápide simples, sem luxo; feita de um pedaço de prancha de cambará apenas com o seu nome esculpido no formão, três letras azuis que me lembrarão do mais perfeito cão que pisou em minha sombra. Neste lugar repousa o corpo do meu amigo, a espera que a terra dissolva sua matéria e que ela seja absorvida pelo pé-de-carambola que tanto frescor e sombra proporcionou-lhe em vida.

ZIG... Tá difícil sem você... Eu sei que você estava sofrendo, mas meu egoísmo ainda luta querendo você aqui comigo amigão. Ta difícil fingir fortaleza na frente das pessoas quando quero desabar em lágrimas. Sua morte me faz querer acreditar em deus novamente, apenas para sonhar com um lugar onde possamos nos reencontrar.

O outro lugar onde ele agora está, é mais próximo. O outro lugar onde a lembrança dele habita é o lugar onde achei melhor enterrar o meu amigo, suas lembranças e nossas aventuras, lagrimas e risadas, este lugar onde ele agora vive sem dores é o meu coração.

Não encontrei melhor lugar para enterrar o meu cão: o melhor lugar para ele descansar será o meu coração, eternamente.

Desculpe amigão... Mesmo com outras pessoas falando o contrário, eu sempre vou achar que estive aquém do que você merecia. Eu sei que poderia ter feito mais, não sei como, mas sei que você merecia muito mais.

Com amor, carinho e um peito dilacerado, me despeço de você nesse texto. Nessa manhã fria onde teu filho já se apossa dos teus domínios, estou te encontrando em cada tufo de pelo, em cada canto onde você ficava, em cada lamento e uivo de dor que eu emito com Saudades de você. Teu filho já assumiu o posto de guardião, um novo ciclo recomeça. Sem você... Rei morto, rei posto...

Teus domínios terrenos se foram, agora reinas imperioso, altaneiro e heróico no único lugar que pude enterra você meu amigo: No fundo do meu peito, dentro do meu coração.

Marcelo Silva
Piracicaba 4 de junho de 2013
Primeira manhã sem você ZIG, quantas lágrimas podem caber dentro de mim?

Ave atque Vale*
(Olá e Adeus)

Por muitos países e através de muitos mares
Eu vim, irmão, para estes ritos tristes,
Para prestar esta última honra aos mortos,
e falar (com que propósito?) para suas cinzas silentes,
Agora o destino o tomou, até mesmo você, de mim.
Oh, irmão, arrancado de mim de forma tão cruel,
Agora pelo menos leve estas últimas oferendas, abençoadas
pelas tradições dos nossos pais, dádivas aos mortos.
Aceite, o que por costume, as lágrimas de um irmão representam,
e, pela eternidade, irmão "Ave atque Vale".
gaius valerius catullus

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Ontem sonhei contigo.

Ontem sonhei contigo.

Era um sonho estranho como todos os sonhos o são, não tinhas pele, músculos ou formas humanas. Alias: não tinhas um corpo físico.

Mas era você pois escutava seu trinar melódico que chamas de voz.

Estavas em um pranto solitário e silencioso, resignada de uma busca infinda e infrutífera e em tua face inexistente pesavam lagrimas que embaçavam teu olhar ao horizonte.


Tal qual o palhaço que se suicida, enxerguei em ti a maldição dos artistas que levam alegria aos outros e trazem a tristeza no coração, em ti me vi e contigo confraternizei a comunhão dos que sofrem calados.

Ontem sonhei contigo meu canarinho-marrom, e acordei na madrugada fria escutando a chuva que lava os telhados, mas não leva embora os sentimentos tatuados nas retinas, nas vísceras; na alma.

Não sei qual sinergia astral me trouxe teu pranto silencioso, não sei em que caminhos tortuosos tua vida foi arremessada, não sei nem por que sonhei contigo, mas senti que precisava por em letras, linhas e palavras a sensação de angustia sufocante que me tomou de assalto quando vi que tanto sofrias em silencio.

Empatia, maldita solidariedade fraterna que nos une como irmãos, como seres unos filhos das estrelas e parte do todo. Às vezes me sinto um vampiro às avessas, que ao invés de se alimentar da vitalidade alheia, sou atraído pelo sofrimento do próximo. Coisa de poeta, coisa de louco; coisa minha.

Não vou agir como os hipócritas de plantão, como os amigos de ocasião; ou como os “sábios” de oportunidade e te oferecer colo, ouvido ou palavras de apoio. Pois bem sei que a angustia dos que fazem os outros sorrirem é plena e prenhe de intimidade não-revelada. Aprendi com o tempo e com a dor que por mais avassalador seja o aperto peitoral oriundo de nossos próprios abismos, pior ainda é ter que fingir que tudo está bem, que tudo vai se ajeitar e que as palavras e ombros alheios servem de alguma coisa para quem carrega em si o amargo e dolorido descolorante da vida.

Ontem sonhei contigo pequena-grande-mulher. E ao longe nada pude fazer a não ser respirar fundo e te ver maior ainda.

Mas quem sou eu para desvendar o significado dos sonhos? Quem me fez dono das chaves oníricas? De onde minha megalomania tirou a idéia de que sei de algo nesse universo onde apenas sabemos que nada sabemos?

Às vezes um sonho é apenas um sonho, às vezes apenas nossa mente a vagar por meandros, escaninhos e porões de um inconsciente que luta para sobrevir à loucura dessa minha consciência tão torta, tão disforme e tão peculiar que só aos loucos é permitida a posse.

Mas sou um arremedo de poeta, um rascunho de escriba que busca onde me é permitido. Apenas sigo nessa vã tentativa de espalhar em palavras os sentimentos que me transpassam a cada segundo, apenas tento mostrar ao externo o que internamente me compõe e ao mesmo tempo que constrói, me implode secretamente enquanto disfarço minhas lagrimas com sorrisos e palhaçadas.

Ontem sonhei contigo minha amiguinha canora...

Marcelo Silva
20 de fevereiro de 2015
Manhã fria e nublada com um gosto de algo que não sei