sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Ontem sonhei contigo.

Ontem sonhei contigo.

Era um sonho estranho como todos os sonhos o são, não tinhas pele, músculos ou formas humanas. Alias: não tinhas um corpo físico.

Mas era você pois escutava seu trinar melódico que chamas de voz.

Estavas em um pranto solitário e silencioso, resignada de uma busca infinda e infrutífera e em tua face inexistente pesavam lagrimas que embaçavam teu olhar ao horizonte.


Tal qual o palhaço que se suicida, enxerguei em ti a maldição dos artistas que levam alegria aos outros e trazem a tristeza no coração, em ti me vi e contigo confraternizei a comunhão dos que sofrem calados.

Ontem sonhei contigo meu canarinho-marrom, e acordei na madrugada fria escutando a chuva que lava os telhados, mas não leva embora os sentimentos tatuados nas retinas, nas vísceras; na alma.

Não sei qual sinergia astral me trouxe teu pranto silencioso, não sei em que caminhos tortuosos tua vida foi arremessada, não sei nem por que sonhei contigo, mas senti que precisava por em letras, linhas e palavras a sensação de angustia sufocante que me tomou de assalto quando vi que tanto sofrias em silencio.

Empatia, maldita solidariedade fraterna que nos une como irmãos, como seres unos filhos das estrelas e parte do todo. Às vezes me sinto um vampiro às avessas, que ao invés de se alimentar da vitalidade alheia, sou atraído pelo sofrimento do próximo. Coisa de poeta, coisa de louco; coisa minha.

Não vou agir como os hipócritas de plantão, como os amigos de ocasião; ou como os “sábios” de oportunidade e te oferecer colo, ouvido ou palavras de apoio. Pois bem sei que a angustia dos que fazem os outros sorrirem é plena e prenhe de intimidade não-revelada. Aprendi com o tempo e com a dor que por mais avassalador seja o aperto peitoral oriundo de nossos próprios abismos, pior ainda é ter que fingir que tudo está bem, que tudo vai se ajeitar e que as palavras e ombros alheios servem de alguma coisa para quem carrega em si o amargo e dolorido descolorante da vida.

Ontem sonhei contigo pequena-grande-mulher. E ao longe nada pude fazer a não ser respirar fundo e te ver maior ainda.

Mas quem sou eu para desvendar o significado dos sonhos? Quem me fez dono das chaves oníricas? De onde minha megalomania tirou a idéia de que sei de algo nesse universo onde apenas sabemos que nada sabemos?

Às vezes um sonho é apenas um sonho, às vezes apenas nossa mente a vagar por meandros, escaninhos e porões de um inconsciente que luta para sobrevir à loucura dessa minha consciência tão torta, tão disforme e tão peculiar que só aos loucos é permitida a posse.

Mas sou um arremedo de poeta, um rascunho de escriba que busca onde me é permitido. Apenas sigo nessa vã tentativa de espalhar em palavras os sentimentos que me transpassam a cada segundo, apenas tento mostrar ao externo o que internamente me compõe e ao mesmo tempo que constrói, me implode secretamente enquanto disfarço minhas lagrimas com sorrisos e palhaçadas.

Ontem sonhei contigo minha amiguinha canora...

Marcelo Silva
20 de fevereiro de 2015
Manhã fria e nublada com um gosto de algo que não sei