sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Eu, Pasto dos vermes.

Eu, Pasto dos vermes.

Falha-me a visão, turvando o horizonte que nem sei se desejo mais enxergar. A circulação resfolega num pulsar forçado e obstruído, maturando minha carne para os ávidos predadores das tumbas. Minhas vísceras se contorcem num misto de dor e revolta avisando da eminente falha catastrófica. Minha pele perde a elasticidade e enruga-se como um trapo inútil cheio de remendos e nodoas.

Hoje sou uma carcaça vazia e sem rumo. Arrastando-me como o holandês voador vou fatasmagoriando a antecipação do inevitável fim. Das trilhas que rumei levo as cicatrizes tatuadas em minha alma, nos caminhos que pisei deixei as fétidas marcas de minha desumanidade.


Em breve serei apenas lodo escumalhado, devorado, digerido e defecado por milhares de seres que se engalfinharão numa orgia de vermes, baratas e formigas. E tudo que sonhei, e tudo que planejei, e todos os prazeres e fantasias que busquei, tudo re-alimentará o pó do qual viemos.

Eu que caminhei soberbo, que cuspi em pratos, que provoquei prantos e tristezas serei uma lembrança que aos poucos se sublimará no gás do esquecimento. Serei um ponto genético a vagar através da descendência que um dia neguei.

E nem mesmo os vermes para os quais serei pasto saberão a diferença entre minha carcaça e o estrume.

Marcelo Silva
20 de abril de 2011
Caminhando em direção ao cadafalso

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