quinta-feira, 4 de junho de 2009

Fugas

Hoje na solidão de meu quarto, no vazio de minha alma; no inferno de meu peito eu tive uma visão, era um outro tempo em um outro espaço onde eu era o espectador de uma linda e triste estória de vida.

Uma criança que brincava perto de um fogo que ela ainda não sabia que era apenas a exteriorização do calor que queimava em suas entranhas. Ela se sentia atraída pelo perigo do fogo como uma mariposa que voa em direção às brasas, hipnotizada... e mesmo tendo ciência da morte eminente não consegui desviar-se deste caminho.

E nesta busca inconseqüente ela fugiu a primeira vez, fugiu das regras e leis de seu lar e embarcou num cruzeiro de novas sensações, emoções e prazeres. Ela casou-se não por amor, mas por que sua fornalha interna a fez usar alguém para sua primeira fuga. Ela amou, sofreu e ao invés de temperar-se em seu intimo com a força da queda, assim como fazem os rios, ela endureceu suas emoções e deixou transparecer apenas o que queria, quando queria, e para quem queria. Ela fugiu pela primeira vez e magoou quem deveria apenas acariciar com afetos, respeito e amor.

Ainda era uma criança, tola e mimada, inconseqüente e infantil; bela e sensual.

Achando que a saída ainda era a fuga, ela migrou para outro lugar com outro amor e só encontrou a si mesma, só encontrou o amargo salgado que endureceu a pele de seu coração. Fugiu usando os mesmo métodos falhos e já testados como sem efeito.

Ainda era uma criança...

Voltou para seu lar e sua sensualidade apenas crescia enquanto seu amor próprio era revestido por mentiras e fantasias mirabolantes. Até que ela própria começou a acreditar em suas próprias mentiras, então ela perdeu a noção do real perigo do fogo que habitava em seu peito. Ela sentiu-se preparada, invencível e imortal. Foi ai que teve que fugir de novo, fugir de quem deveria protege-la, fugiu de quem a agrediu no âmago, na mais intima porção de seu ser que ela pensava estar protegida. Enganou-se quando se protegeu do mundo exterior, errou em pensar que suas dores só poderiam ser causadas por alguém de fora. Ela já era uma mulher linda, sensual e transpirando sexo por todos os poros, e sua beleza que antes era uma dádiva transformou-se em uma maldição que ela sabia que a perseguiria por onde quer que fosse, não importava para onde tentasse fugir.

Mas ela fugiu de novo, ainda era uma criança tola, ingênua e burra...

Fugiu desta vez para alguém tão jovem e cheio de vida como ela, pensava a criança tola que poderia controlar alguém pelo amor, carinho e atenção. Foi quando ela partiu seu coração mais uma vez, e desta vez ela magoou não só quem amava, mas também a si mesma ao descobrir que não poderia controlar os mais velhos, os mais jovens e nem tampouco os de sua idade. Ela sofreu com a descoberta e entregou-se a relacionamentos furtivos e sem embasamento. Ela desce a ladeira dos amores de fim de noite, ela bateu às portas do inferno de Eros onde só o prazer importava, ela entregou-se a si mesma, deixou que o vulcão que nasceu junto com ela, dentro dela jorrasse o rio de lava que queimou de vez a pele de seu coração e o transformou num fruto podre, ressecado e sem vida.

Ela ainda era uma criança tola e ingênua, linda e sensual, esperta e burra... mas agora ela também era uma mulher fatal que caçava seus amores como uma fera caça sua presa, encurralando-a e cansando-ª e depois da caça e de seu bote final ela abandonava as carcaças pelo caminho de sangue, desilusões e mentiras que ela trilhava.

E neste caminho, ela ainda achou tempo para mais uma conquista, mais um flerte com alguém que era mais um de seus enganos, alguém de posses, de finos tratos e bom gosto. Alguém que poderia dar a ela o castelo de cristal que ela sonhava como ultima fuga. Mas ele a trocou por um amor de ocasião, um casamento de aparências. Mas a criança tola e burra ainda o guardou dentro da fruta sem vida que chamava de coração.

A criança agora era uma mulher, livre, independente e a procura de emoções fortes e amantes capazes.

Mas o destino quis que ela mais uma vez tivesse a chance de fugir dela mesma. E colocou alguém em sua vida que a amava, respeitava e adorava seus sorrisos e fantasias. Ela foi atraída pelo seu jeito livre, pela sua beleza impar, pela sua fama de perigoso e mal.

E eles se encontraram, viveram, amaram-se, trocaram juras de amor eterno.

Com ele, ela vivia numa eterna sala de espelhos, pois eram farinha de um mesmo saco, viviam nas mesmas ilusões e fantasias, tinham o mesmo calor dentro de si e a mesma frangância em suas vidas. Isso às vezes os assustavam e outras vezes os acalmavam. Sentiam que ali , um nos braços do outro, era o seu lugar.

Os seus corações que estavam murchos, ressequidos e sem vida começaram a florescer e do meio do lodaçal surgiu uma bela flor de cor azul, azul como o mar, azul como o mais azul dos céus.

Ao ver que não teria porque fugir de novo, o demônio que habitava em seu peito fez com que ela se se lembra de ex-amores, que ela não se desligasse de seu mundo de fantasias, fez com que ela quisesse mais uma vez fugir para longe de sua real estória, de seu real destino.

E ela arquitetou a fuga, envenenado-o aos poucos com a peçonha da frieza, sangrou seu peito com a lamina da falsidade, cegou seus olhos com os espinho da desilusão e finalmente afogando a flor azul em seu peito com a água da distancia.

Ao sentir-se ferido, humilhado e traído, ele encontrou seu demônio também e antes que ela pudesse desferir o golpe de misericórdia ele levantou-se e tomou sua melhor arma para defender-se, usou sua astúcia, seu veneno suave e harmonioso, usou sua mente e a atacou a distancia, mostrou a ela o quanto ela poderia estar perdendo ao seu lado ou longe dele. Colocou todas suas cartas na mesa e jogou suas fichas pelo chão que antes reluzia de amor e agora estava sujo de magoas.

Eles se harmonizaram e continuaram como amigos, se viam, se imaginavam e ele sentia a saudade de sua companhia leve e diáfana como a mais suave das brisas de outono.

A criança-mulher mais uma vez fugiu e agora minha visão se vai, é como seu eu acordasse de um sonho nem bom, nem mal. Mas vejam vocês o como podemos ser crianças tolas, ingênuas, mimadas, burras, cruéis, sensuais e belas. Veja o quanto o mundo nos oferece de possibilidades e na maioria das vezes nós as jogamos pela janela como se fossemos donos da verdade, como se o mundo girasse em torno de nosso umbigo.

E agora que acordei da visão, do sonho de revelação que tive, não pude ver se o final foi feliz, se viveram felizes ou infelizes para sempre.


Marcelo Manoel da Silva
Caruaru, 15 de dezembro de 2001
14:06:45
na solidão de meu quarto

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