sábado, 26 de janeiro de 2013

Chove em Caruaru


Chove em Caruaru, na cama de meu pai que a muito já morreu eu mergulho em lembranças antigas e dramas recentes. O meu caldo genético borbulha em dores de parto. Ao receber patadas de quem sempre ofereço paz e guarida eu colho as frutas do mesmo tratamento que ofertei a uma terceira pessoa a quem um dia a muito tempo atrás também me ofertou paz e guarida.

Meu rosto torto pelas pisadas atuais já não esconde o rancor, mas essa mesma face também não oculta a paz da resignação de toda esta dor cujas sementes eu mesmo plantei em tempos idos.

O sono se foi como uma mulher que partiu antes de se tornar amante. Na minha mente agora habita uma insondável inquietação, uma névoa espessa com perfume de um tempo que nunca existiu. Acendo um cigarro e a nicotina minha de cada dia entope meus pulmões num suicídio lento, leve e sutil.


Sou tomado pelo som dos pingos da chuva, como se fosse uma doce e antiga cantiga de ninar. Chove em Caruaru e ainda não encontrei aquele muro amarelo onde um avião cairia em mim, tornando-me pira humana e levando-me para minhas ultimas semanas purgativas, para meus últimos dias de expiação de tudo que fiz e de tudo que não fiz.

Escuto sons ao longe, alguém assovia no meio da noite. Na cama de meu pai eu começo a perceber o sono chegar. Chove em Caruaru e estou só com meus fantasmas, com meu destino a muito traçado; com a certeza de que a paz que um dia eu tive nunca mais irá voltar.

Chove em Caruaru, e na cama de meu pai eu não me encontro nem comigo mesmo. Chove copiosamente, uma chuva fraca que não lava minha alma; uma chuva que me convida a descer deste trem da vida.

Não quero mais escrever, quero apenas dormir na cama de meu pai e escutar a chuva que cai em Caruaru.

Marcelo Silva
Na cama de meu pai, escutando a chuva em Caruaru.
31 de julho de 2012

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