terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Pesadelo

PESADELO

São 3 e 25, uma madrugada até fresca se pensar nos dias sufocantes e quentes em que estou vivendo. A TV da sala ainda vomita a estória de pessoas dementes que se transformaram em assassinos em série e predadores sexuais. Eu acordei suado e assustado, deitado no sofá da sala. Um estranho sonho ou pesadelo me colocou em estado de alerta e afastou o sono por completo.

Me lembro de outra oportunidade onde minha mente foi posta em estado medo e apreensão, eu ainda era muito, muito jovem. E também acordei em casa na madrugada e sozinho.não me lembro bem o porque de estar sozinho na casa de minha família (Engraçado, não falei MINHA CASA, e sim a casa da minha família), ou talvez não estivesse realmente sozinho, mas fiquei sentado na cozinha abraçando os joelhos e rememorando os fatos oníricos que me assombraram o sono.


Realmente é uma coisa interessante não me lembrar se estava mesmo sozinho, ou se apenas me sentia tão só na época que preferi ficar sozinho no chão frio da cozinha esperando que o dia viesse me trazer a luz que afastaria as reminiscências do pesadelo tétrico que me tomou de assalto. É tão estranho que neste momento estou querendo ir no quarto para ver se a Márcia está dormindo lá, para saber se talvez a Sabrina esteja lá agora, ou a Letícia, ou o “passarinho”, ou a “Bruxinha” ou mesmo a “Princesa”. Foram tantas, são tantas; quantas ainda serão?

Era tão frio o piso da cozinha, era tão assustadora a escuridão e tão solitária minha vida reclusa. Não entendo o porque de afastar a tudo e a todos. Talvez no fundo de minha inconsciência eu saiba do quão tóxico eu seja, talvez eu pressinta a maldita sina psicótica e genética que me faz sempre magoar as pessoas. As vezes tenho medo de meu intimo ser tão frio quanto o piso daquela cozinha, tão escuro quanto aquela madrugada; e tão solitária como a minha vida sempre foi. Eis o medo maior: conseguir o que tanto desejei, ter o que tanto planejei, terminar meus dias sozinho e metade feliz por não magoar mais ninguém e metade infeliz por certificar-se sozinho.

Estranho sentir-se sozinho justamente no dia que o Jean Andrade veio me visitar trazendo tanta energia boa, me fazendo ir para a marcenaria e juntos produzirmos algo. Esquisito sentir assim justamente na primeira madrugada depois de um final de semana duplamente acompanhado e tão intenso. Na sala, um narrador do canal ID da Discovery fala sobre a vida de uma criança perturbada, solitária e esquisita, ele conta detalhes de sua trajetória até o dia em que um gatilho mental foi disparado e o mesmo entrou em surto psicótico permanente, tornando-se um demente frio, sensual, envolvente, manipulador e com uma infinda sede de maldade e morte. Melhor desligar a TV para pensar melhor.

O que somos alem de crianças em busca de aprovação? Creio que não passamos de seres com programações previas, com dispositivos de tempo cronometrados para um dia talvez sejamos vitimas de um disparo emocional que ativará um divisor de águas em nossas vidas. Ponho um cigarro na boca, faz nove meses que não acendo um deles e apenas os deixo num canto da boca. Mas hoje, neste momento; o sabor da nicotina parece me chamar mais forte. No meu ventre um animal se agita e rasga meu peito subindo até meu coração. Ele quer sair, em palavras ou lagrimas ou gritos ou ações irrefreáveis e inevitavelmente sem volta. São tantas e tantas formas, tenho tantos e tantos meios; existem dezenas de saídas, centenas de motivos; milhares de formas e métodos. Sinto tenazes em minha garganta, o meu reflexo no monitor desligado à minha direita me trás à realidade. Não sou aquele garoto assustado no chão frio da cozinha, sou um velho tarado e solitário, um vira-latas que ousou andar entre lobos e hoje assumiu a forma dos que o expulsaram da matilha.

Hoje sou um farrapo sem herança genética a deixar nessa vida, sem um lar com vida dentro; sem um colo próximo e leal que me aquiete. Sou um naufrago de minhas próprias tempestades, sou o farrapo da mortalha que eu mesmo costurei e com ela envolvi as coisas boas e as enterrei no quintal junto com meu cão, antes mesmo que ele nascesse. Isso vem de muito tempo.

O calor vai chegando, são 4 e 25 e o dia promete ser caustico. Gostaria de assistir a mais esse dia.

Tiro a camiseta de algodão e o resto do frescor do quarto me envolve o tórax, tenho vontade de sentir alguma coisa que não seja essa luta infinita entre dezenas de personagens que me controlam. As vezes queria apenas acabar com essa dor multi-polar, mas para isso teria que acabar com minha vida.

Não, ainda não...

Talvez atrás de alguma dessas portas eu encontre o quarto alcochoado de um hospício quente e confortável que vai me tratar até o fim de meus dias. Talvez um dia em encontre a chave certa da porta errada, ou a chave errada da porta certa. Não sei bem. Apenas queria uma saída satisfatória a todos. Mais uma vez sinto-me a criança em busca de aprovação e o preço dessa aprovação é mudar-me, é ser outra pessoa com outras roupas, com outros cheiros, com outros idéias e planos e ambições. Outro personagem sem animais dentro de mim ou dentro de minha casa, sem fúria, sem as marcas que ainda restam de meu caráter real. Talvez seja essa a finitude da vida? Talvez esse seja o graal da busca humana? Mudar de personalidade em busca de aprovação? Em busca de companhia? Em busca de algo que nem mesmo sabemos do que se trata?

Aí um belo dia acordamos e descobrimos que não somos o que nos transformamos e passamos a odiar nossa vida e a não mais amar quem nos transformou. Talvez no meio de uma tarde nublada, revirando velhas caixas com antigos sinais e escritos, no meio de tanto passado nos descobrimos que não somos o que somos e percebemos tarde demais o tempo perdido.

Aí então olhamos para trás e descobrimos que muitas pessoas, coisas e estórias foram envolvidas no processo, e qualquer forma de atitude, mudança, saída ou desistência acarretará em mais e mais dores. Quantas dores mais ainda terei que viver, sentir e causar?

Por um momento, senti saudades daquela madrugada fria, daquela cozinha escura; daquele menino assustado que tinha toda uma vida pela frente. Mas foi apenas por um breve momento. Aquela forma de vida que fui foi um fracasso, um perdedor que não conseguiu nada e tudo que restou foram traumas, expurgos, troças e humilhações. Naqueles dias eu só era feliz em breves momentos com poucas pessoas. Naqueles dias eu era um estorvo, algo invisível que não fedia nem cheirava, que não tecia nem fiava; que pouca diferença fazia para muitos.

Lembrar de “tanta felicidade” me sufocou e abro a janela, dando de cara com as rosas vermelhas de meu jardim, uma viatura passa apressada com suas luzes iluminando minha calçada e meu rosto. Mas minha alma e meu peito estão escuros ainda.

Eu viajei para minha terra em busca de não sei bem o que. Eu queria falar tantas coisas para tantas pessoas. Mas algumas não quiseram me escutar, e outras que escutaram distorceram tudo e meu desabafo virou um crime, e minha busca por apoio bateu num muro frio egoísta e não obtive nada quente, apenas reações frias e mornas. E então eu tive que escolher entre matar ou morrer, entre seguir em frente sozinho ou chafurdar na lama suja da auto-piedade. Como odeio a auto-piedade! Pessoas que vivem se lamentando e se comparando a outras me irritam. Muita coisa me irrita ultimamente.

Porque me machucar? Simples: para sentir algo real! Para sentir uma dor, alguma emoção que seja real e que seja durável. Por que machuco as pessoas? Talvez apenas para esperar que o universo me puna e me castigue e assim eu poder sentir alguma coisa.

Gostaria de acreditar que nunca é tarde. Queria que essa quimera chamada felicidade fosse real. Deve ser alentador acreditar que em algum lugar existem pessoas que poderiam juntas comigo erguer algo belo e bonito. Mas...
“É complicado”
“Tem um preço”
“ainda não dá”
“existem mudanças a serem feitas”
“não consigo lidar com isso”

As paredes parecem que estão se fechando, de repente esse quarto ficou menor... Estou sentindo-me claustrofóbico !!!

Abro o cinto e os botões da calça, tiro os pés de dentro das sandálias e me afasto um pouco da mesa. Não adianta, essa angustia não passa, esse sentimento de solidão não cessa. Dentro de mim o animal se agiganta, ele quer sair na noite da vida e nunca mais voltar. Sumir na face da terra e viver errante como um holandês voador, como um degredado em sua própria terra. Dentro de meu peito se arma uma tempestade cataclísmica, uma tormenta épica que me impele a fugir de novo, a me esconder de todos.

Talvez morrer seja apenas voltar para casa. Talvez envelhecer e ver pessoas queridas adoecerem e morrer seja um impulso para que criemos coragem e pulemos nesse abismo negro e sem fundo. Talvez eu esteja certo e talvez esteja errado... ou ambos!

Engraçado como é que é estupidamente egoísta reclamar de tantas e tantas coisas. Quando me lembro de meu primeiro casamento onde não me foi pedido mudanças, onde era amado e tinha um lar. E por puro egoísmo e soberba joguei para o alto. Talvez, do alto de minha empáfia eu achasse que teria tantas chances quisesse para ser feliz. Ledo engano. Fui condenado pelo tudo que fiz, pelo tudo que não fiz, pelo que foi e pelo que poderia ter sido. Agora resta-me apenas a colher os frutos amargos de minhas escolhas. Afinal: sou eu o juiz de minha vida, sou eu o Deus todo poderoso capaz de definir quais caminhos a trilhar e que rumos devo seguir. E foram minhas escolhas que me colocaram onde estou agora.

Há!!!! Mas pessoas gostam de mim!!!

E onde estão elas agora? Neste exato momento? Será que devo ir no quarto e ver se tem alguém lá dormindo? Creio que não.

Gostaria de saber para que lado olhar, para que cidade seguir; para que país migrar e lá encontrar quem me cure dessa dor chamada vida. Queria encontrar quem me olhasse por inteiro sem querer mudanças, sem preços ou complicações. Sem distancias e sem infinitos intervalos entre encontros, beijos, abraços e orgasmos. Qual direção devo tomar? Qual rumo devo seguir Ó cabeça doentia dum caralho que só me fudeu até agora? E agora? O que te resta deus de merda, megalômano psicótico, pervertido sociopata e venenoso?

Hoje, as 3 e 25 da madrugada eu acordei de um pesadelo. Nele eu estava sozinho e com medo, era madrugada e eu estava sentado em uma cozinha fria e a escuridão reinava ao redor dela. Meu sexo estava ligado a uma tomada na parede, e era como se fosse uma corrente que me mantinha preso naquele lugar. Eu estava com medo, com muito medo. Mas não sabia do que. Me levantei e fui até uma porta próxima que dava para um quarto quente e iluminado, na cama forrada de lençóis vermelhos eu vi alguém por baixo de uma pequena coberta negra como a mais escura das noites sem estrelas e sem luar, uma coberta menor que uma colcha de solteiro. Eu tentava me aproxima mas o fio de meu sexo ligado á tomada me impedia. Então eu puxei e sangrando me aproximei da cama e vi que era minha mãe que estava embaixo do diminuto lençol negro como a morte. Em silencio me aproximei e entrei junto com ela na escuridão de nossos passos, no calor de nossos erros, no conforto de nossas manipulações e finalmente me vi liberto. Eu me desliguei do mundo real e assumi a loucura herdada e aceitei a herança de tantas e tantas coisas, tantas e tantas dores, tantos e tantos erros. Talvez eu não devesse lutar contra a loucura e a solidão. Talvez eu devesse esquecer os amores, os sonhos, as possibilidades. Talvez eu deva largar os últimos resquícios de sanidade e me entregar ao doce delírio da loucura e seguir o legado familiar dos psicóticos desse clã insano que me gerou.

Na minha mente martelam os versos de uma canção:

Moldura
Ortinho
Agora quase tudo foi embora,
E quem ficou sozinho aqui fui eu.
Olhando teu sorriso preso dentro da moldura
que chorando um dia desses você me deu.
Lá fora a madrugada é fria
E a cidade vazia sem ninguém.
As ruas solitárias piscam luzes coloridas
O chão reflete em mim o grito dessas avenidas,
Que dizem que você não vem,
Que você não voltas pra mais ninguém.
Que você não vem mais,
Que você não volta pra mais ninguém.


Marcelo Silva
17 de dezembro de 2013
05:28
Daqui a pouco os pássaros vão acordar, as pessoas vão iniciar seus dias. Aqui dentro desta casa tudo é silencio e frieza e solidão. Dentro de mim existe um abismo, dentro de mim e ao redor desse abismo moram centenas de “Marcelos” com idades, cores, tamanhos e caráter diferentes. Dentro de cada um deles tem um pedaço de mim, um pedaço real. Quais deles devo jogar dentro do abismo? Quais deles devo por para fora de mim e para fora desta casa? Quais deles irão sobrar?

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