terça-feira, 7 de julho de 2009

Minha mão esquerda (03)

Depois de minha morte eu vaguei pelo pó em que me converti. Definhei da carne até a terra, e enquanto os vermes se banqueteavam, minha consciência teimava em prender-se àquelas moléculas (pois ainda não conhecia a verdadeira morada atômica). Ao pó eu cheguei, e mesmo moído, deglutido e excretado, ainda existia a consciência corporal anterior. Na osmose da terra, minha poeira nadou até a superfície e alçou vôo nos ventos que me espalharam pelos mares, pelos bares; pelos lares. Quanto mais eu me dispersava, maior me sentia.

Na vastidão deste pequeno planeta, por vezes minhas partículas se reencontravam, mas juntas nada formavam. Não tinham mais a liga que um dia as uniam.

Eu fui ao fundo das fossas marianas sentindo a quilométrica pressão liquida que de pó me fez lama submarina. Cavalguei na estratosfera montado nas correntes ascendentes, que de pó me fizeram. Pousei em vulcões ativos que liqüifizeram-me os grãos e do pó fizeram-me rocha. Prostei-me sobre pastos e ingerido por ruminantes, do pó fui feito carne.

Mas foi quando caí nos olhos de uma criança, e em lagrimas fui lavado e expulso, que entendi que a infinitude da matéria encontra seu ocaso quando tem que transmutar-se, para recomeçar a ser uma nova antiga parte do universo. Foi nestas lagrimas que me libertei, deixando apenas as experiências minhas impregnadas (com infinitas outras) na memória de cada átomo que neste plano eu fui

16/06/2009

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