terça-feira, 17 de março de 2015

ZIG - Saudades, lembranças e orgulho de ter sido seu e ele meu

Em algum lugar, existe uma pequena colina cercada por um imenso gramado, onde o sol nunca se põe. No alto desta colina existe um pé-de-carambola frondoso cuja sobra refresca a terra.

Neste lugar agora existe um cão maravilhoso, cuja pelagem vermelha tem o tom do por-do-sol antes de uma lua cheia.

Neste lugar não existem dores, idade, frio ou medo.

Neste lugar, esse cão brilha no auge de sua forma, sua pelagem sem defeitos brilha, e suas orelhas apontadas para alto e para frente evidenciam seu olhar sempre alerta de “xerife-da-rua”. Ele corre pela grama alta, se esfregando nos galhos dos arbustos no sopé da colina e deitando-se na relva com a língua para fora, rola e deixa as patas para cima para melhor curtir o sol.

Nesse lugar existem outras almas esquecidas, saudosas, rememoradas e presentes. Nesse lugar meu cão late do alto da colina, com seu latido original sem a rouquidão do tumor na garganta. Ainda latindo ele se ergue altivo sem o tremor nas patas causado pela artrite e reumatismo. Ele varre o redor com seu olhar vigilante, sem as lágrima indefesas causadas pela perda da visão para a catarata. Ele correr ao redor num galope forte e dominador, sem a dor e o desanimo do Lúpus. E a cada latido bravio e altaneiro, seu corpo vibrar expondo as nuances vermelhas de sua pelagem, sem as falhas no magnífico pelo vermelho.

Ele late mostrando o seu domínio sobre esse lugar. E aos seus pés sua bolinha vermelha tão amada, querida e preciosa.

Eu sei que talvez seja o melhor lugar para ele ficar, mas cada vez que fico sozinho e me vem a lembrança dele doente e frágil, sendo cuidado por mim todos os dias, um monstro de dor e desespero brota do meu peito e rasga minha garganta num lamento doloroso e então eu choro de saudade de meu amigo, do meu amigo e companheiro.

Queria poder chorar abertamente, sem precisar estar sozinho ou dentro do banheiro com o chuveiro ligado. Queria não ter tantas couraças e ter a obrigação de ser sempre forte. Queria chorar ao mundo, mas como sempre, terei que ser forte quando estiver na frente das pessoas. Nossa vida sempre foi os dois juntos, seja passeando, seja indo no boteco ou na padaria, seja na marcenaria ou apenas aos meus pés no escritório por horas seguidas. Estando ali apenas para estar perto de mim. Não! Vou guardar meu pranto para quando estiver apenas eu e a memória dele.

Eu ainda sinto seu cheiro gostoso, seu olhar caridoso e frágil ao final da vida, seu resmungar pelas dores e seu passo a mancar, se arrastando pela casa. Mesmo sabendo que tudo isso ficou para trás, nada me consola, Nada preenche esse vazio no meu peito.

Esse lugar onde agora ele habita na verdade são dois.

Um é a sombra do pé-de-carambola na minha marcenaria, onde desde sempre ele gostava de se deitar e de longe observar a frente da casa. Antes da marcenaria existir, ao lado da churrasqueira, era onde ele descansava. Mesmo antes quando a churrasqueira ainda era um canil, era lá onde ele gostava de ficar. Foi lá que cavei sua cova e depositei o corpo sem vida de meu grande amigo, junto com seu ultimo brinquedo: uma bolinha vermelha que graças a sua cor o fez a enxergar através da catarata e ainda fez com que meu velhinho, meu ancião, brincasse com ela numa clara demonstração de sua vontade de viver. Foi lá que envolto nos lençóis que o aqueceram em seus últimos momentos eu o coloquei na exata posição que ele costumava descansar. Nesse lugar eu fiz uma lápide simples, sem luxo; feita de um pedaço de prancha de cambará apenas com o seu nome esculpido no formão, três letras azuis que me lembrarão do mais perfeito cão que pisou em minha sombra. Neste lugar repousa o corpo do meu amigo, a espera que a terra dissolva sua matéria e que ela seja absorvida pelo pé-de-carambola que tanto frescor e sombra proporcionou-lhe em vida.

ZIG... Tá difícil sem você... Eu sei que você estava sofrendo, mas meu egoísmo ainda luta querendo você aqui comigo amigão. Ta difícil fingir fortaleza na frente das pessoas quando quero desabar em lágrimas. Sua morte me faz querer acreditar em deus novamente, apenas para sonhar com um lugar onde possamos nos reencontrar.

O outro lugar onde ele agora está, é mais próximo. O outro lugar onde a lembrança dele habita é o lugar onde achei melhor enterrar o meu amigo, suas lembranças e nossas aventuras, lagrimas e risadas, este lugar onde ele agora vive sem dores é o meu coração.

Não encontrei melhor lugar para enterrar o meu cão: o melhor lugar para ele descansar será o meu coração, eternamente.

Desculpe amigão... Mesmo com outras pessoas falando o contrário, eu sempre vou achar que estive aquém do que você merecia. Eu sei que poderia ter feito mais, não sei como, mas sei que você merecia muito mais.

Com amor, carinho e um peito dilacerado, me despeço de você nesse texto. Nessa manhã fria onde teu filho já se apossa dos teus domínios, estou te encontrando em cada tufo de pelo, em cada canto onde você ficava, em cada lamento e uivo de dor que eu emito com Saudades de você. Teu filho já assumiu o posto de guardião, um novo ciclo recomeça. Sem você... Rei morto, rei posto...

Teus domínios terrenos se foram, agora reinas imperioso, altaneiro e heróico no único lugar que pude enterra você meu amigo: No fundo do meu peito, dentro do meu coração.

Marcelo Silva
Piracicaba 4 de junho de 2013
Primeira manhã sem você ZIG, quantas lágrimas podem caber dentro de mim?

Ave atque Vale*
(Olá e Adeus)

Por muitos países e através de muitos mares
Eu vim, irmão, para estes ritos tristes,
Para prestar esta última honra aos mortos,
e falar (com que propósito?) para suas cinzas silentes,
Agora o destino o tomou, até mesmo você, de mim.
Oh, irmão, arrancado de mim de forma tão cruel,
Agora pelo menos leve estas últimas oferendas, abençoadas
pelas tradições dos nossos pais, dádivas aos mortos.
Aceite, o que por costume, as lágrimas de um irmão representam,
e, pela eternidade, irmão "Ave atque Vale".
gaius valerius catullus

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